Sara tem 17 anos, e estuda em um internato em Moçambique. Assim como para a maioria de seus colegas, a escola fica longe de casa. Quando chegou à escola, ela achou que era um lugar maravilhoso.
“Mas, depois”, diz Sara, “descobri que não era uma boa escola. O diretor faz coisas que não deveria contra os alunos. Um dia, uma amiga contou-me que tinha visto fotos de mim, nua, na sala do diretor, elas estavam no celular dele”, continua Sara.
“Tudo começou num sábado, quando eu estava lavando roupa atrás da escola”, conta Sara. Ela ouviu um carro vindo pela estrada. E, quando este estacionou bem ao seu lado, ela viu que era seu diretor. Ele se inclinou para fora da janela e pediu que ela buscasse um prato de comida na cozinha. Não havia nada de estranho nisso, então Sara fez o que ele queria.
“Mas”, diz Sara, “quando entreguei o prato, ele me mandou entrar no carro”. Sara não entendeu o motivo, e apenas ficou parada ali. Então, ele falou que se eu não obedecesse e entrasse, me expulsaria da escola”. Sara sentiu-se obrigada a entrar no carro. Quando ela se sentou ao lado do diretor, ele começou a tocar suas pernas e tirou o pano que ela havia enrolado como uma saia.
“Eu estava nua da cintura para baixo”, diz Sara. “O diretor pegou o celular e tirou fotos de mim, depois tirou fotos de mim e dele próprio. Fiquei horrorizada. Quando ele terminou, deu-me um pacote de biscoitos e um refrigerante e disse-se para não contar a ninguém o que aconteceu. Se eu contasse, ele me espancaria primeiro e depois me expulsaria da escola”.
Esta foi a primeira vez que isso aconteceu com Sara, mas infelizmente não foi a última. Mais tarde, num domingo, quando Sara voltava da igreja para casa, ela viu o carro do diretor novamente.
“Ele disse que nos levaria para a escola, mas, em vez disso, dirigiu em outra direção por cerca de uma hora. Eu estava com tanto medo, que não conseguia me mover. Em seguida, ele me forçou a deitar no banco de trás. Tirou-me todas as roupas, e começou a tocar-me por todo o corpo. Meu próprio diretor!”
“Há uma guerra contra nós, meninas, na nossa escola”, diz Maria Rosa, uma das colegas de Sara. “Somos usadas pelo diretor e por alguns professores em troca de notas de aprovação e exames. É o mesmo que tráfico de pessoas”, diz ela.
Maria Rosa tem 17 anos, como Sara. Ela mora na escola há quatro anos. “Antes de me mudar para cá, eu estava muito animada”, diz Maria Rosa. “Mas rapidamente percebi que havia algo errado. Ninguém aqui trata as crianças como deveria. Nem os professores, nem o diretor, nem os guardas ou os responsáveis pelos dormitórios”.
“Um dia, fui chamada à sala do diretor”, continua Maria Rosa. “Ele me pediu para fechar a porta e começou a passar um filme de sexo em seu computador. Ele disse que eu era obrigada a assistir. Quando perguntei por que, ele disse que eu provavelmente já sabia o que as pessoas fazem nesse tipo de filme. Depois, ele puxou uma lista de alunos. Ele apontou para o nome de um rapaz e perguntou se era verdade que eu estava namorando aquele rapaz. Respondi honestamente que não tinha namorado. Então, ele disse: ‘Tenha cuidado, ou falarei com seus pais’. Eu disse a ele que meus pais sabem que eu sempre falo a verdade e que ia contar-lhes o que aconteceu aqui. ‘Se você fizer isso’, disse ele, ‘a expulsarei da escola e garantirei que você nunca tenha permissão para frequentar nenhuma escola em Moçambique’”.
“Naquele dia, o diretor fez a mesma coisa com muitas meninas da escola”, diz Maria Rosa.
Infelizmente, o assédio sexual de crianças ocorre em todo o mundo. O que aconteceu na escola de Maria Rosa e Sara não é tão comum, mas acontece, principalmente em internatos onde as meninas estão longe de casa e não sabem que têm o direito de dizer não a um adulto. É mais comum que as crianças, principalmente as meninas, ouçam palavras baixas na escola. Às vezes, outros mexem com elas e puxam suas roupas. Coisas semelhantes também acontecem nas mídias sociais, onde os adultos às vezes ameaçam e enganam crianças para que façam coisas que não querem e que as magoam. “Fico irritada quando nós, meninas, somos tratadas assim”, continua Maria Rosa.
Mas, um dia, aconteceu algo que levaria à mudança. Maria Rosa teve a oportunidade de fazer um treinamento para tornar-se embaixadora dos direitos da criança.
“Isso abriu meus olhos”, diz Maria Rosa. “Percebi que não podíamos mais aceitar aquilo a que éramos submetidas. Devemos ser como as meninas que são embaixadoras dos direitos da criança, e lutar pelos nossos direitos e pelos direitos dos outros. Antes, só víamos o que acontecia. Agora, também sabemos para onde nos dirigir se percebermos que há algo errado”.
“Desde o dia em que nós, embaixadoras dos direitos da criança, voltamos do treinamento, o diretor e os professores nos temeram”, diz Maria Rosa. “Eles não queriam que ensinássemos a outras meninas e rapazes sobre os seus direitos, porque isso tornaria muito mais difícil para eles continuarem o que vinham fazendo”, continua Maria Rosa.
No fim, as histórias das meninas chegaram ao Departamento de Educação. Eles vieram e reuniram-se com as embaixadoras dos direitos da criança para investigar se tudo o que tinham dito era realmente verdade.
“Doeu falar sobre isso”, diz Maria Rosa. “Não foi fácil ficar ali e descrever tudo que havíamos vivido diante de pessoas poderosas. Mas era necessário, e urgente, porque cada vez mais meninas abandonavam a escola por causa do abuso”.
As autoridades constataram que havia provas de que tudo que as meninas tinham contado era verdade. Revelou-se quais professores haviam abusado de meninas na escola e, no computador do diretor, encontraram vídeos e fotos de alunas.
“Exatamente como havíamos dito”, diz Maria Rosa.
A investigação das autoridades mostrou que as meninas diziam a verdade.
E o diretor? Bem, ele foi demitido e nunca mais poderá trabalhar com crianças.
Depois, as histórias das alunas e as experiências das embaixadoras dos direitos da criança foram usadas para acabar com o abuso em outras escolas em Moçambique.
Sara, amiga de Maria Rosa, de quem o diretor tirou fotos e mostrou a outras meninas, diz que agora sabe que o que aconteceu com ela e com outras alunas foi ilegal, e uma violação dos seus direitos. “Um diretor deveria cuidar de seus alunos, diz Sara. Ao contrário do diretor que tínhamos. Ele nunca mais deveria ter permissão para trabalhar com crianças”.